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Foi Horácio para o colégio abatido, preso de um estranho sentimento de repulsa,
                  de  nojo  por  si mesmo. Fora ingrato, de  fato; era um  monstro. Os padrinhos lhe  tinham
                  dado tudo, educado, instruído. Fora sem querer, fora sem pensar; e sentia bem que a
                  sua reflexão não entrara em nada naquela resposta que dera ao padrinho. Em todo o
                  caso, as palavras foram suas, foram ditas com sua voz e a sua boca, e se lhe nasceram
                  do íntimo sem a colaboração da inteligência, devia acusar-se de ser fundamentalmente
                  mau...

                        Pela segunda aula, pediu licença. Sentia-se doente, doía-lhe a cabeça e parecia
                  que lhe passavam um archote fumegante pelo rosto.

                        - Já, Horácio? perguntou-lhe a madrinha, vendo-o entrar.

                        - Estou doente.

                        E  dirigiu-se para o quarto.  A  madrinha  seguiu-o. Chegado  que  foi, atirou-se  à
                        cama,  ainda  meio-
                  vestido.

                        - Que é que você tem, meu filho?

                        - Dores de cabeça... um calor...

                        A madrinha tomou-lhe o pulso, assentou as costas da mão na testa e disse-lhe
                        ainda algumas palavras
                  de consolação : que aquilo não era nada; que o padrinho não lhe tinha rancor; que
                  sossegasse.

                        O rapaz, deitado, com os olhos semicerrados, parecia não ouvir; voltava-se de um
                  lado para outro; passava a mão pelo rosto, arquejava e debatia-se. Um instante pareceu
                  sossegar; ergueu-se sobre o travesseiro e chegou a mão aos olhos, no gesto de quem
                  quer  avistar  alguma  coisa  ao  longe.  A  estranheza  do  gesto assustou a madrinha.

                        - Horácio!... Horácio!...

                        - Estou dividido... Não sai sangue...

                        - Horácio, Horácio, meu filho !

                        - Faz sol... Que sol !... Queima...Árvores enormes... Elefantes...

                        - Horácio, que é isso? Olha; é tua madrinha!

                        - Homens negros... fogueiras... Um se estorce... Chi ! Que coisa!... O meu pedaço
                          dança...

                        - Horácio ! Genoveva, traga água de flor... Depressa, um médico... Vá chamar,
                          Genoveva!

                         -     Já não é o mesmo... é outro... lugar, mudou... uma casinha branca...
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