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A mulher do Anacleto
ESTE CASO se passou com um antigo colega meu de repartição.
Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos
os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.
Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes.
Entretanto, assim não foi.
No fim de dous ou três anos de matrimônio, Anacleto começou a desandar
furiosamente. Além de se entregar à bebida. deu-se também ao jogo.
A mulher muito naturalmente começou a censurá-lo.
A princípio, ele ouvia as observações da cara metade com resignação; mas, em breve,
enfureceu-se com elas e deu em maltratar fisicamente a pobre rapariga.
Ela estava no seu papel, ele, porém, é que não estava no dele.
Motivos secretos e muito íntimos, talvez explicassem a sua transformação; a
mulher, porém, é que não queria entrar em indagações psicológicas e reclamava. As
respostas a estas acabaram por pancadaria grossa. Suportou-a durante algum tempo. Um
dia, porém, não esteve mais pelos autos e abandonou o lar precário. Foi para a casa de um
parente e de uma amiga, mas, não suportando a posição inferior de agregada, deixou-se cair
na mais relaxada vagabundagem de mulher que se pode imaginar.
Era uma verdadeira "catraia" que perambulava suja e rota pelas praças mais
reles deste Rio de Janeiro.
Quando se falava a Anacleto sobre a sorte da mulher, ele se enfurecia doidamente :
- Deixe essa vagabunda morrer por aí! Qual minha mulher, qual nada !
- E dizia cousas piores e injuriosas que não se podem pôr aqui.
Veio a mulher a morrer, na praça pública; e eu que suspeitei, pelas notícias dos
jornais, fosse ela, apressei-me em recomendar a Anacleto que fosse reconhecer o cadáver.
Ele gritou comigo:
- Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco !
Não insisti, mas tudo me dizia que era a mulher do Anacleto que estava como um
cadáver desconhecido no necrotério.
Passam-se anos, o meu amigo Anacleto perde o emprego, devido à desordem de sua