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- Você vai ver o plano. Quer ouvi-lo ?

                        Todos, menos Mariazinha, responderam, quase a um tempo só:

                        - Quero.

                        O bacharel de Goiás endireitou o busto curto na cadeira e começou:

                        - Vou entroncar o nosso Direito administrativo no antigo Direito administrativo
                  português.  Há  muita  gente  que  pensa  que  no  antigo  regímen  não  havia  um  Direito
                  administrativo. Havia. Vou estudar o mecanismo do Estado nessa época, no que toca a
                  Portugal. V ou ver as funções dos ministros e dos seus subordinados, por intermédio de
                  letra-morta dos alvarás, portarias, cartas régias e mostrarei então como a engrenagem
                  do Estado funcionava; depois, verei como esse curioso Direito público se  transformou,
                  ao  influxo  de  concepções liberais; e, como ele transportado para aqui com Dom João
                  VI,  se  adaptou ao  nosso  meio,  modificando-se aqui ainda, sob o influxo das idéias da
                  Revolução.

                        Simplício,  ouvindo-o falar  assim dizia  com  os  seus  botões:  "Quem teria
                ensinado isto a ele?" Guaicuru, porém, continuava:

                        - Não será uma seca enumeração de datas e de transcrição de alvarás, portarias,
                  etc. Será uma cousa inédita. Será cousa viva.

                        Por aí, parou e Campossolo com toda a gravidade disse:

                        - V ai ser uma obra de peso.

                        - Já tenho editor!

                        - Quem é? perguntou o Simplício.

                        - É o Jacinto. Você sabe que vou lá todo o dia, procurar livros a respeito.

                        - Sei; é a livraria dos advogados, disse Simplício sem querer sorrir.

                        - Quando pretende publicar a sua obra, doutor? perguntou Dona Sebastiana.

                        - Queria publicar antes do Natal. porque as promoções serão feitas antes do
                          Natal, mas...

                        - Então há mesmo promoções antes do Natal,


                        Felicianinho ? O marido respondeu:


                        - Creio que sim. O gabinete já pediu as propostas e eu já dei as minhas ao diretor.

                        - Devias ter-me dito, ralhou-lhe a mulher.

                        - Essas cousas não se dizem às nossas mulheres; são segredos de Estado,
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