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seus olhos de topázio com estilhas negras. Nela, não havia nem invento, nem novidade
                  como - as outras.

                        Eram  estes  os  habitantes  da  "Vila  Sebastiana"  ,  além  de  um  molecote  que
                  nunca era o mesmo. De dous em dous meses, por isso ou por aquilo, era substituído por
                  outro, mais claro ou mais escuro, conforme a sorte calhava.

                        Em  certos  domingos,  o  Senhor  Campossolo  convidava  alguns  dos  seus
                  subordinados a irem almoçar ou jantar com eles. Não era um qualquer.  Ele os escolhia
                  com acerto e  sabedoria. Tinha uma  filha solteira e não podia pôr dentro de casa um
                  qualquer, mesmo que fosse empregado de fazenda.

                        Aos  que  mais  constantemente  convidava,  eram  os  terceiros  escriturários
                  Fortunato Guaicuru  e Simplício Fontes, os seus braços direitos na secção. Aquele era
                  bacharel  em  Direito  e  espécie  de  seu secretário e consultor em assuntos difíceis; e o
                  último chefe do protocolo da sua secção, cargo de extrema responsabilidade, para que
                  não houvesse extravio de processos e se acoimasse a sua subdiretoria de relaxada e
                  desidiosa. Eram eles dous os seus mais constantes comensais, nos seus bons domingos
                  de efusões familiares. Demais, ele tinha uma filha a casar e era bom que...

                        Os senhores devem ter verificado que os pais sempre procuram casar as filhas  na
                  classe  que pertencem: os negociantes com negociantes ou caixeiros; os militares com
                  outros militares; os médicos com outros médicos e assim por diante. Não é de estranhar,
                  portanto, que o chefe  Campossolo quisesse casar  sua filha com um funcionário público
                  que fosse da sua repartição e até da sua própria secção.

                        Guaicuru  era de  Mato Grosso.  Tinha  um  tipo acentuadamente  índio. Malares
                  salientes, face curta, mento largo e duro, bigodes de cerdas de javali, testa fugidia e as
                  pernas um tanto arqueadas. Nomeado para a alfândega de Corumbá, transferira-se para
                  a delegacia fiscal de Goiás. Aí, passou três ou quatro anos, formando-se,  na  respectiva
                  faculdade de Direito, porque não há cidade do Brasil, capital ou não, em que não haja
                  uma.  Obtido  o  título,  passou-se  para  a  Casa  da  Moeda  e,  desta  repartição,  para  o
                  Tesouro. Nunca se esquecia de trazer o anel de rubi, à mostra. Era um rapaz forte, de
                  ombros largos e direitos; ao contrário de Simplício que era franzino, peito pouco saliente,
                  pálido, com uns  doces  e grandes olhos negros  e de uma timidez de donzela.

                        Era carioca e obtivera o seu lugar direitinho, quase sem  pistolão e sem nenhuma
                  intromissão de políticos na sua nomeação.

                        Mais ilustrado, não direi; mas muito mais instruído que Guaicuru, a audácia deste
                  o superava, não no coração de Mariazinha, mas no interesse que tinha a mãe desta no
                  casamento da filha.  Na mesa, todas as atenções tinha Dona Sebastiana pelo hipotético
                  bacharel:

                        - Porque  não  advoga?  perguntou  Dona  Sebastiana,  rindo,  com  seu  quádruplo
                  olhar altaneiro, da filha ao caboclo que, na sua frente e a seu mando, se sentavam juntos.

                        - Minha senhora, não tenho tempo...

                        - Como não tem tempo? O Felicianinho consentiria - não
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