Page 13 -
P. 13
Três Gênios de Secretaria
O meu amigo Augusto Machado, de quem acabo de publicar uma pequena brochura
aliteratada - Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá - mandou-me algumas notas herdadas
por ele desse seu amigo, que, como se sabe, foi oficial da Secretaria dos Cultos.
Coordenadas por mim, sem nada pôr de meu, eu as dou aqui, para a meditação dos
leitores:
"ESTAS MINHAS memórias que há dias tento começar, são deveras difíceis de
executar, pois se imaginarem que a minha secretaria é de pequeno pessoal e pouco nela
se passa de notável, bem avaliarão em que apuros me encontro para dar volume às
minhas recordações de velho funcionário. Entretanto, sem recorrer a dificuldade, mas
ladeando-a, irei sem preocupar-me com datas nem tampouco me incomodando com
a ordem das cousas e fatos, narrando o que me acudir de importante, à proporção de
escrevê-las. Ponho- me à obra.
Logo no primeiro dia em que funcionei na secretaria, senti bem que todos nós
nascemos para empregado público. Foi a reflexão que fiz, ao me Julgar tão em mim,
quando, após a posse e o compromisso ou juramento, sentei-me perfeitamente à
vontade na mesa que me determinaram. Nada houve que fosse surpresa, nem tive o
mínimo acanhamento. Eu tinha vinte e um para vinte e dois anos; e nela me abanquei
como se de há muito já o fizesse. Tão depressa foi a minha adaptação que me julguei
nascido para ofício de auxiliar o Estado, com a minha reduzida gramática e o meu péssimo
cursivo, na sua missão de regular a marcha e a atividade da nação.
Com familiaridade e convicção, manuseava os livros - grandes montões de papel
espesso e capas de couro, que estavam destinados a durar tanto quanto as pirâmides do
Egito. Eu sentia muito menos aquele registro de decretos e portarias e eles pareciam
olhar-me respeitosamente e pedir-me sempre a carícia das minhas mãos e a doce
violência da minha escrita.
Puseram-me também a copiar ofícios e a minha letra tão má e o meu desleixo tão
meu, muito papel fizeram-me gastar, sem que isso redundasse em grande perturbação
no desenrolar das cousas governamentais.
Mas, como dizia, todos nós nascemos para funcionário publico. Aquela placidez
do ofício, sem atritos, nem desconjuntamentos violentos; aquele deslizar macio durante
cinco horas por dia; aquela mediania de posição e fortuna, garantindo inabalavelmente
uma vida medíocre - tudo isso vai muito bem com as nossas vistas e os nossos
temperamentos. Os dias no emprego do Estado nada têm de imprevisto, não pedem
qualquer espécie de esforço a mais, para viver o dia seguinte. Tudo corre calma e
suavemente, sem colisões, nem sobressaltos, escrevendo-se os mesmos papéis e avisos,
os mesmos decretos e portarias, da mesma maneira, durante todo o ano, exceto os dias
feriados, santificados e os de ponto facultativo, invenção das melhores da nossa
República.
De resto, tudo nele é sossego e quietude. O corpo fica em cômodo jeito; o