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apontavam-me, dizendo aos outros: "Lá vai o sujeito  que  sabe javanês." Nas livrarias, os
                  gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no  tal  jargão  das  ilhas de
                  Sonda. Recebia cartas dos eruditos do interior, os jornais citavam o meu saber e recusei
                  aceitar  uma  turma  de  alunos  sequiosos  de  entenderem  o  tal  javanês.  A  convite  da
                  redação,  escrevi, no  Jornal  do Comércio  um artigo de quatro colunas sobre a literatura
                  javanesa antiga e moderna...

                       - Como, se tu nada sabias? interrompeu-me o atento Castro.

                       - Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de
                  dicionários e umas poucas de geografias, e depois citei a mais não poder.

                       - E nunca duvidaram? perguntou-me ainda o meu amigo.

                       -  Nunca.  Isto  é,  uma  vez  quase  fico  perdido.  A  polícia  prendeu  um  sujeito,  um
                  marujo,  um tipo bronzeado  que  só  falava  uma  língua  esquisita.  Chamaram  diversos
                  intérpretes, ninguém o entendia. Fui também chamado, com todos os respeitos que a
                  minha  sabedoria  merecia,  naturalmente.  Demorei-me  em  ir, mas fui afinal. O homem
                  já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se  fez compreender
                  com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era javanês - uf!

                       Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia! Assisti à
                  inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na secção do tupi-guarani e eu
                  abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bâle o meu retrato, notas
                  biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente pediu-me desculpas por me ter
                  dado aquela secção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu americano
                  brasileiro,  me  estava  naturalmente  indicada  a  secção  do  tupi-  guarani.  Aceitei  as
                  explicações e até hoje ainda não pude escrever as minhas obras sobre o javanês, para
                  lhe mandar, conforme prometi.

                       Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bâle, em
                  Berlim,  em  Turim  e  Paris,  onde  os  leitores  de  minhas  obras  me  ofereceram  um
                  banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou- me toda essa brincadeira, inclusive o
                  banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do crédulo
                  e bom Barão de Jacuecanga.

                       Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao
                  saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o presidente da
                  república, dias depois, convidava-me para almoçar em sua companhia.

                       Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana,  onde estive  seis anos e
                  para  onde  voltarei,  a  fim  de  aperfeiçoar  os  meus  estudos  das  línguas  da  Malaia,
                  Melanésia e Polinésia.

                       - É fantástico, observou Castro, agarrando o copo de cerveja.

                       - Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser ?
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