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Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado.
Passava, enfim, uma vida regalada.
Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu
parente esquecido que vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a cousa ao meu javanês;
e eu estive quase a crê-lo também.
Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo que me
aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi
grande, quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru, para
que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a falta
de elegância, o meu aspecto tagalo. - "Qual! retrucava ele. Vá, menino; você sabe
javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas
recomendações. Foi um sucesso.
O diretor chamou os chefes de secção: "Vejam só, um homem que sabe javanês -
que portento!"
Os chefes de secção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que
me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe
javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"
O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu sei
canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.
A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, concertou o pince-nez no
nariz e perguntou: "Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde
o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês. "Bem, disse-me o ministro, o
senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se presta... O bom seria um
consulado na Ásia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uma reforma e o
senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que,
para o ano, parta para Bâle, onde vai representar o Brasil no Congresso de Lingüística.
Estude, leia o Hovelacque, o Max Müller, e outros!"
Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria
representar o Brasil em um congresso de sábios.
O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao
neto, quando tivesse a idade conveniente e fez-me uma deixa no testamento.
Pus-me com afã no estudo das línguas maleo-polinésicas; mas não havia meio!
Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer
entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: Revue
Anthropologique et Linguistique, Proceedings of the English-Oceanic Association, Archivo
Glottologico Italiano, o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. Na rua, os informados