Page 138 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
P. 138
A musa acaba até com a má fama antiga, e se não faz versos diz verdades. Qual de vós teria a
coragem de conservar quand même essa atitude de bondade para com todos os políticos? Esse
esquisito sentimento dos poetas da calçada tem uma seqüência lógica – o jacobinismo pândego,
a crítica acerba, toda de alto, com desprezo das coisas estrangeiras. A guerra hispano-americana
foi motivo de um milheiro de cançonetas. Todas afinam por este diapasão:
La Union Española
Lembrou-se de oferecer
Passagens a seus súditos
Para a pátria defender.
Mas eles, que nem lá vão,
Passam cá vida folgada
Quase todos pelotaris
Nos boliches, nas touradas.
Quando por acaso o capadócio ama uma estrangeira, confessa, mas arreliando o seu bem:
Tomei amores com uma argentina
Outro melhor jamais vi no mundo
É terno, gringo, profundo
É também das mais sensuais.
E a volubilidade, a despreocupação, a ironia complacente do malandro nacional exterioriza-se nas
canções resultantes de grandes agitações como as causadas pela lei do selo, a reforma da
higiene, a vacina obrigatória. A musa não se encoleriza, ri. O selo só fez compreender ao malandro
que os fornecedores podiam ser multados:
Sapateiro já não pode
Bater sola sossegado
Se não selar as botinas.
Catrapuz! está multado.
Uma das canções mais populares sobre a peste bubônica tem este estribilho:
Os ratos fazem qui, qui, qui,
Qui, qui, qui, qui, qui
As pulgas pulam daqui
Pra ali, dali praqui, daqui prali
Os gatos fazem miau
Miau, miau, miau
Quem inventou a peste bubônica
Merece muito pau.
E a vacina obrigatória, que quase apeia o governo do conselheiro Alves, deu uma infinita série
de quadras livres. Patriota, jacobino, pândego, o atual bardo da calçada gosta exatamente dessas
tolices fesceninas – é a tara da modinha desde Gregório de Matos – gosta mesmo de rimar
sandices, assim como se vê, abandonado à margem da poesia, mas todos esses sentimentos se
fundem na sua extrema liberdade, e o bardo abre o coração como uma represa de lirismo.