Page 139 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Oh! o lirismo das modinhas! Como é possível na miséria da urbs, no pó, na secura, na sujeira das
vielas sórdidas, nas escuras alcovas das hospedarias reles, vibrar tamanha luz de poesia?
O lirismo é uma torrente, uma catadupa a escachoar espumante entre as idéias dos bardos. Todos
os estilos da veia lírica do povo soluçam e choram nas calçadas. Não é possível deixar de sentir
uma infinita amargura, quando nos becos sórdidos, à porta de miseráveis casas, os soldados
consentem que os trovadores cantem, loucos de amor, a pureza da mulher transviada.
Virgem casta eu já fui como tu
Já vivi como os anjos no céu
Esta fronte que vês humilhada
Foi coberta de cândido véu.
Essa idéia lírica e adquirida, idéia datando dos conselheiros românticos e da Dama das Camélias,
não desaparece nunca – é a roca em que a musa fia o sentimento nas ruas. Aí os modinheiros
perdem-se num estuário de amor. Tudo é paixão. Há o amor trágico:
É meia-noite; o triste bronze chora
A lua oculta numa nuvem escura.
Calou-se a flauta numa longa queixa
O pobre louco morreu de amargura!
o irônico:
Zombaste, mulher com riso de escárnio
De pobre artista todo fogo e ardor
Amava-o, dizias, julgando talvez
Que do mundo fosse algum rico senhor.
o lírico:
Amo-te, ó virgem, como ama o nauta
À luz da estrela que lhe guia o lar...
o desconsolado:
Nem toda a árvore dá fruta
Nem toda a erva dá flor
Nem toda a mulher bonita
Pode dar constante amor.
ou ainda mais desconsolado:
Perdão, Emília, mas chorar não posso